sexta-feira, 21 de maio de 2010

Uma noite

Hoje eu sonhei com ela. Há tanto tempo eu não tinha um sonho tão bonito. Lá estava a rede, aquele lençol que ela colocava nos olhos quando ia dormir e o cheiro inconfundível de óleo para massagem que inundava o quarto com uma corrente de lembranças. Sonhei com o jeito preguiçoso como ela chamava o meu nome e esperava que eu me aproximasse lentamente da rede que balançava num ritmo constante. Eu me sentei na cama à sua frente e olhei seus traços como que decorando-os. Acho que eu sabia que estava sonhando por que toquei a sua mão inchada e me debrucei sobre ela só para sussurrar que a amava. Suas unhas estavam feitas como da última vez que as vi. Aliás, suas unhas estavam sempre tão lindas! E ela vivia repetindo para mim: Tire essas unhas da boca, menina. Pare de roer unha. Então eu sorria e continuava roendo como se a minha vida dependesse disso. Ela era benevolente, eu sabia. Abracei o seu corpo frágil e tentei não colocar o peso do meu corpo sobre o dela, mas ela me abraçou com força e eu me senti segura. Incrível como eu poderia ser bem mais forte que ela, mas me sentia pequena em seu abraço. "Acho que perto da mãe a gente é sempre criança", minha mãe disse ontem. Bem, talvez perto da vó a gente seja também. Mesmo que isso esteja acontecendo só num sonho. Ela sussurrou de volta para mim que me amava e depois disse: 'Catita, ligue o ventilador para vovó, sim?' E eu me soltei dela para obedecer àquele pedido que parecia o último e mais importante das nossas vidas. Liguei o ventilador, apaguei a luz e saí do quarto. Acordei com o despertador para a escola e levantei ainda sentindo o cheiro do óleo de massagem. Deixei-a lá. E talvez ela ainda durma em alguma rede que balança calmamente dentro de mim.

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