domingo, 28 de setembro de 2014

Suflê de repolho

Não confio. E todas as manobras pra que eu confie parecem milimetricamente ensaiadas, planejadas, palavras despejadas uma a uma como receita de suflê de repolho. Tudo o que ele diz soa meio falso. Uma repetição da coisa certa que faria qualquer um do lado de fora pensar: ué, mas se ele contou isso é porque não tinha nada a esconder. Pelo contrário. O esconderijo dele fica por trás das palavras, naquele lugar que ninguém desconfia que exista, mas que eu reconheço muito bem porque muitas vezes me encolhi num canto de lá.

Ele fala do que sente com sinceridade e paixão. Parece confuso e depois, do nada, toma uma decisão como quem decide com a força do mundo abandonar uma dúvida e abraçar uma certeza. Eu sou a certeza que ele quer abraçar, mas a dúvida se veste de um jeito um tanto sensual e meio que se insinua, seminua, tentando seduzir. Ele se atrai e se distrai de mim. Aí vem chorando suas incertezas e me pedindo que eu o assegure de que é verdadeiro, de que vai passar e de que eu vou estar sempre ali. O problema é que eu não sei se vou estar.

Eu não confio e todas as lágrimas dele fazem um barulho ensurdecedor por dentro de mim. É a luta do meu subconsciente tentando nadar até a superfície pra dizer que todas aquelas palavras foram ensaiadas, que todas as manobras foram planejadas e que ele está escondido por detrás de si mesmo, das lágrimas e das palavras. Fodendo a dúvida de quatro numa rapidinha enquanto eu, cheia de todas as minhas certezas, me fodo sozinha.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Your song

Hoje decidi escrever um texto pra você porque, no aleatório do meu celular, começou a tocar aquela música melancólica na voz da moça triste. Você sempre dizia que preferia o homem cantando, mas por algum motivo, só escutava a versão aguda da mulher chorosa. 

Decidi escrever porque estou sentindo falta de quase tudo. Da melancolia e das bobagens. Saudade de você dançando arrocha desengonçado na porta do banheiro daquele hotel chique, do passinho da toalha nas costas rebolando o quadril, da mania irritante que você tem de beijar só o canto da minha boca e sugar como se fosse canudo. Que raiva que isso dá! Mas eu to com saudade.

Da sua cara de tédio quando eu pedi a foto na frente daquela roda gigante imensa em Londres e do relojão, como é mesmo o nome? Do seu prato super saudável e enorme na Pizza Hut só porque a salada era free! E isso me fez sorrir largo. Lá em casa, os tomates estragando no armário e você parecendo que nunca tinha visto mato na vida quando descobriu que, na Pizza Hut, salada era à vontade.

Lembrei das suas implicâncias comigo, de você me perguntando se tava ok dormir naquele troço super desconfortável que ficava no chão e eu fingindo que dormia bem a noite toda só porque, se eu não fingisse, você ia querer trocar de lugar e eu sabia que seriam só seis horas de sono antes do seu despertador apitar. A verdade é que eu esperava você ir trabalhar pra dormir na sua cama, debaixo do seu lençol, imaginando que seu cheiro era meio você. Se eu fechasse os olhos, nem dava pra perceber que você já tinha ido embora.

Daí você chegava e, todos os dias, antes de tomar banho, plugava o celular nas caixas de som num volume indecente e me trancava do lado de fora, só pra gritar do banheiro that I could tell everybody that this was my song. Mas não era. Era só a música melancólica da moça triste que você sussurrou em meus ouvidos encostando seu peito molhado e meio gelado nas minhas costas. Me abraçando por trás, cantando desafinado e dois tons abaixo da voz esganiçada nas caixas de som that it's a little bit funny this feeling inside.

Se eu fechar os olhos, posso sentir outra vez sua boca, sua pele e a água entre nós dois e aí quase nem dá pra perceber que você já foi embora.




domingo, 2 de fevereiro de 2014

Eu não sei fazer isso, minha senhora

É, não sei namorar assim à deriva, sem ver terra firme. Não sou Dora, não sou aventureira. Eu quero coisa séria com seu filho, moça, minhas intenções são as melhores possíveis. Quero queimar o arroz dele, fazer torta de carneiro moído pra ele, acordar cinco da manhã todos os dias que ele tiver que ir trabalhar no turno mais cedo do mundo só pra fazer um sanduíche, dar um beijinho, olhar pra ele.

Eu não sei bancar a possivelmente um dia esposa dele. Eu sou a esposa dele hoje, só que daqui a dois, três anos. Sou eu que estou aqui, não é? Eu que prometi que nunca ia embora e prometi de coração mesmo, valendo. Pensei que os olhos dele também fossem de promessas fáceis, mas a verdade é que ele não sabe. Ele não sabe o que vai acontecer amanhã, quanto mais daqui a dois, três anos.

O seu filho, dona, me disse que não tinha medo de se apaixonar, mas eu acho que ele mentiu. Se você se segura nos postes pra impedir a correnteza de te carregar, é mentira que se apaixonou. Paixão é deixar toda a lama dos barrancos entrar na sua roupa, sentir a sujeira da chuva te encharcando e te puxando e daí prender a respiração e se deixar levar. Bueiro abaixo ou em direção ao mar.

Eu não sei fazer isso, minha senhora. Me apaixonar pelas beiradas, sendo intensa no momento e vendo no que vai dar. O meu maldito sol em Virgem entala na garganta e eu fico até tonta se não organizar rapidinho os livros nas prateleiras da minha mente. Em ordem cronológica, alfabética, numérica, crescente. É que não sei namorar assim à deriva, sem ver terra firme. Não sou Dora, não sou aventureira.