quarta-feira, 3 de março de 2010

Fechaduras bem minhas

Eu comecei esse texto meio sem saber pra onde ir com as palavras confusas que preciso cuspir, mas cansei de ser forte por hoje. Aliás, cansei de ser forte por tempo indeterminado e esse texto é minha bandeira branca.
Não consigo mais fingir que sua risada parou de fazer eco no telefone mudo. Duas vezes na semana passada eu o tirei do gancho repetindo pra mim mesma que tinha esquecido pra quem ia ligar de última hora. Mentira minha, claro. Gosto de ficar imaginando que, entre um "tu" e outro, há você pensativo do outro lado.
Eu fico olhando a minha própria cama - enfeitada com o único cachorrinho solitário que você me deu - e me lembrando das suas promessas de vir me acordar qualquer dia só pra que eu tivesse a surpresa de ver seu rosto assim que abrisse os olhos. Então me sinto idiota, recrimino o pensamento e começo a alimentar a certeza de que você tinha uma senso de humor ridículo. Onde já se viu querer acordar alguém de surpresa? Ridículo.
Estou escrevendo esse texto pra abrir uma porta de memórias que tranquei no dia em que você me disse que não dava mais. Naquele dia eu só fiquei muda e sorri como que dizendo que já esperava por isso. Não foi um sorriso irônico em tom de acusação, eu realmente já esperava. Todo mundo tem sua temporada de flores, mas ela sempre acaba e quase nunca se tem uma explicação. Não gritei para que me mostrasse razões por que anestesiei dentro de mim a dor crônica depois da sua pontada agúda de verdade. Eu estava destruída, você se cansara. Mas quem disse que eu ia enlouquecer e espernear? Nem pensei em perguntar se havia outra pessoa - nunca quis saber. Não planejei esperar que você mudasse de idéia. Eu simplesmente sabia.
Você teria que, como o sol faz todos os dias, ir embora um dia, mas, diferente dele, você não voltaria. Eu sabia e me muni de coragem para enfrentar as perguntas de todos e os olhares de pena. Não queria que sentissem pena de mim, mas, de verdade, não me importava se sentissem. Só me importava com a porta que você fechou e eu tranquei.
Hoje parei de olhar pela fechadura e abri esse quarto outra vez. As memórias me invadiram então sentei para escrever. Falar em forma de rabisco sobre os beijos escondidos, as risadas nervosas, aquela vez em que eu falei besteira na frente da sua mãe e você ficou me enviando seu pensamento mais forte de "cala a boca, amor", os abraços apertados nos aeroportos, as madrugadas que passamos ao telefone e todos os dias que vimos amanhecer em meio a risadas contidas e bocejos leves.
Hoje eu abri aquela porta e estaquei. A força das lembranças me atingiu em cheio, mas me recusei a trnacar tudo outra vez. Percebi que ser forte não é fingir que não se importa e deixar o homem que ama ir embora como se fosse só mais uma primavera.
Agora talvez seja tarde demais pra nós dois, mas deixei suas palavras encerrarem o efeito da minha anestesia e ouvi o "não dá mais" pela primeira vez deixando que a escorresse dentro de mim toda a dor que represei.
Sentei em algum lugar, chorei em silêncio por uma ferida antiga e peguei esse caderno pra escrever sobre você.
Eu fui bastante forte, se quer saber, mas é como você me disse aquele dia do seu jeito contido: chega uma hora que não dá mais.

Um comentário:

  1. acho que entendo, as vezes ser forte para mim é fingir que não acontece, mas chega uma hora que é dificil de seguir com uma mentira para mim mesma. eentão o precipicio é alto demais.

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