Eu o conheci num dos piores momentos da minha vida e fiz dele um suporte em situações nas quais não conseguia lidar comigo mesma e meus medos. Espremi ao máximo as capacidades dele e o fiz me escutar, me entender e me ajudar quando mais ninguém seria suficiente.
Abri meu coração pra ele, mas deixei apenas que desse uma boa olhada e me avisasse o que precisava de reparos.
Ele nunca teve permissão pra entrar.
Nunca teve o direito de se enfiar em minha vida e trazer ainda mais sentimentos conflitantes, então ele não o fez.
Ficou do lado de fora observando o movimento dos pedreiros enquanto ele mesmo organizava a reconstrução dos meus muros. Me ajudou a levantar parede por parede da minha fortaleza interior e, quando a casa estava finalmente pronta - e meus muros, imponentes, me cercavam de proteção. - não podia mais vê-lo do outro lado da rua.
Eu não precisava mais dele então, pra mim, nossa história acabara ali.
Ele nunca teve permissão pra entrar.
E nesse meio tempo, nesse contratempo, nesse compasso, conheci outro laço, me envolvi em outro abraço.
Às vezes, confesso, pensava nele, agradecida, quando me via sozinha. Era raro, fiz outras amigas. Novas pessoas surgiram pra limpar a casa junto comigo.
Enquanto arrumava as coisas dentro de mim, o percebi em cada sala, corredor, parede. A simples existência da minha casa outra vez lembrava ele.
Lembrava a alegria que ele teve em me ajudar, lembrava a falta de barulho dele ao me ver ir embora sem acenar, sem olhar pra trás, sem me importar.
Tudo me trazia ele.
Os móveis, as cores, os cômodos da minha fortaleza reestruturada eram traços do rosto dele, do riso dele, do jeito dele.
Mas ele nunca teve permissão pra entrar.
Não viu o que eu tinha por dentro enquanto as coisas estavam arrumadas, mas então uma tempestade, quase tão assustadora quanto a primeira, veio levar o meu telhado e um dos muros.
Eu sentei sozinha na varanda destruída e, ao me sentir vazia, levantei os olhos pra examinar calmamente o lugar onde o tinha visto pela última vez.
Então, como se estivesse parado ali, me esperando durante todo esse tempo, ele me acenou sorrindo.
Eu estiquei as pernas, enxuguei as lágrimas, acenei de volta e, silenciosamente, gritei por ajuda. E ele veio.
Demorou pra me ajudar a consertar os estragos, mas fez tudo outra vez com o mesmo sorriso e, desta feita, eu o mantive na varanda pra uma conversa de amigos. Um bolinho, um chá. Havia tantas coisas que eu queria contar...
Ele me escutou, comentou e riu comigo até eu avisar que era hora de ir e entrar em casa sem o convidar.
Dessa vez ele parou à porta e, olhando calmamente em meus olhos, não me deixou fechar.
Entrou de fininho, jogou as coisas no sofá e foi ficando. Eu fui gostando, mas tudo bem.
Sempre fui mais ele do que qualquer outro cara que convidei a ficar. Sempre lembrei mais dele e sempre sorri mais por ele. Apenas nunca senti merecer sua presença em minha casa e, por isso:
Ele nunca teve permissão pra entrar.
Até que um dia trouxe as coisas e passou a morar lá. Dentro da minha casa, minha fortaleza, meu coração. Pra estar em meus pensamentos ele nunca pediu minha permissão.
"Por isso, preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O Amor." - Drummond